Juntar com o bico<br>e espalhar com as patas

João Oliveira (Membro da Comissão Política do PCP)

O saldo do que acon­teceu na úl­tima se­mana, de­pois do apres­sado anúncio feito pelo BE e con­fir­mado pelo PS a pro­pó­sito do im­posto sobre o pa­tri­mónio imo­bi­liário de valor ele­vado, con­firma que pos­turas e cri­té­rios er­rados não se li­mitam apenas a criar di­fi­cul­dades a boas me­didas que podem ser to­madas, ofe­recem ainda de ban­deja a ou­tros (neste caso a PSD e CDS) a opor­tu­ni­dade de bran­que­arem as suas op­ções.

O que po­deria ser uma boa pro­posta foi trans­for­mado numa «ameaça»

Uma ideia que podia vir a ser uma boa pro­posta fiscal foi ime­di­a­ta­mente trans­for­mada num alvo de todo o tipo de bom­bar­de­a­mento es­pe­cu­la­tivo, está a ser apre­sen­tada como uma ameaça e, pior de tudo, deu a PSD e CDS uma opor­tu­ni­dade de ouro para ocul­tarem a res­pon­sa­bi­li­dade pelo saque fiscal que im­pu­seram e cri­arem di­fi­cul­dades à sua re­versão. Ao anun­ciar a cri­ação de um im­posto cujos prin­ci­pais ele­mentos es­tavam ainda em dis­cussão – in­cluindo entre o PCP e o Go­verno –, o BE pro­curou, uma vez mais, an­te­cipar-se no anúncio de uma me­dida de forma a chamar a si os cré­ditos pela apro­vação da­quilo que não de­pende apenas da sua von­tade ou in­ter­venção.

A con­fir­mação pelo PS, ainda que ad­mi­tindo a in­de­fi­nição de al­guns dos ele­mentos do im­posto, con­tri­buiu para o que veio a acon­tecer ao longo dos úl­timos dias.

Uma me­dida que pode con­tri­buir para maior jus­tiça fiscal fa­zendo co­brar mais im­postos a uma mi­noria de con­tri­buintes que tem pa­tri­mónio de valor mais ele­vado foi trans­for­mada, com o ines­ti­mável con­tri­buto do BE, numa ameaça à ge­ne­ra­li­dade dos con­tri­buintes a partir da es­pe­cu­lação sobre o nú­mero e valor dos imó­veis a abranger, do des­tino que é dado ao imóvel e de ou­tros ele­mentos por de­finir. O coro de co­men­ta­dores, em geral com­pro­me­tidos com a po­lí­tica de saque fiscal do an­te­rior go­verno PSD/​CDS e cum­pri­dores das ori­en­ta­ções de­ter­mi­nadas pelo grande ca­pital, en­con­trou neste tema o mote para a es­pe­cu­lação e a de­sin­for­mação, não apenas para criar di­fi­cul­dades à apro­vação de me­didas que po­nham a pagar mais im­postos quem tem mais ren­di­mentos ou pa­tri­mónio mas também re­pe­tindo os ar­gu­mentos com que têm pro­cu­rado evitar as me­didas de alívio de im­postos sobre aqueles que menos têm.

Um im­posto cuja cri­ação po­deria ser um ele­mento po­si­tivo e apoiado am­pla­mente, desde que pon­de­rado de­vi­da­mente em todas as suas im­pli­ca­ções, apre­sen­tado em de­vido tempo com todos os seus ele­mentos de­fi­nidos para que todas as pes­soas sou­bessem exac­ta­mente o que é e a quem se aplica, está agora trans­for­mado num ins­tru­mento de con­fusão e de re­ceio in­jus­ti­fi­cado para muita gente.

A par disso, e sa­bendo muito bem do me­di­a­tismo que sempre gera a dis­cussão sobre im­postos, PSD e CDS apro­vei­taram a opor­tu­ni­dade para cons­truir uma nar­ra­tiva que apague da me­mória as suas op­ções de saque fiscal aos tra­ba­lha­dores e ao povo e de be­nesses fis­cais ao ca­pital, pro­cu­rando ainda criar a ideia de au­mentos de im­postos.

Com­bater a in­jus­tiça

É ne­ces­sário que nin­guém se es­queça do que sig­ni­fi­caram as op­ções fis­cais do go­verno PSD/​CDS sin­te­ti­zadas (ainda assim aquém do que seria ade­quado...) na­quela co­nhe­cida fór­mula do então mi­nistro das Fi­nanças Vítor Gaspar: «enorme au­mento de im­postos.»

Esse «enorme au­mento de im­postos», que au­mentou de um ano para o outro em 35 por cento a co­brança de IRS, o que sig­ni­ficou num só ano a co­brança de mais três mil e 200 mi­lhões de euros, per­mi­tindo ao go­verno PSD/​CDS ar­re­cadar no IRS de três anos o equi­va­lente a quatro. Esse «enorme au­mento de im­postos» com que PSD e CDS es­ma­garam os ren­di­mentos do tra­balho ao mesmo tempo que re­du­ziam o IRC às grandes em­presas e grupos eco­nó­micos, bai­xando a taxa do IRC pri­meiro de 25 para 23 por cento e de­pois de 23 para 21 por cento. É esse «enorme au­mento de im­postos» que foi, na ver­dade, um saque fiscal aos tra­ba­lha­dores e ao povo, que PSD e CDS querem agora fazer es­quecer e que é pre­ciso re­lem­brar e re­verter.

É ne­ces­sário va­lo­rizar, por exemplo, o fim da so­bre­taxa de IRS, a re­dução do IVA da res­tau­ração ou a re­dução da taxa do IMI, me­didas para as quais o PCP deu um con­tri­buto in­dis­pen­sável e que devem ser um ele­mento de mo­bi­li­zação para a luta pela re­versão do saque fiscal e por uma po­lí­tica fiscal mais justa para os tra­ba­lha­dores e o povo.

Para o PCP, é es­sen­cial uma po­lí­tica que com­bata a in­jus­tiça fiscal, é ne­ces­sária a con­si­de­ração ade­quada de cada im­posto nas suas im­pli­ca­ções eco­nó­micas, de re­ceita e de jus­tiça fiscal, cri­té­rios que ob­vi­a­mente devem aplicar-se também aos im­postos sobre pa­tri­mónio de valor muito ele­vado e a ava­li­ação terá que ser feita glo­bal­mente e não im­posto a im­posto.

É este o sen­tido da in­ter­venção do PCP, são esses os cri­té­rios que le­varão à apre­ci­ação sobre o Or­ça­mento do Es­tado e é por esse ob­jec­tivo que con­ti­nu­a­remos a lutar.

Ainda que às vezes pa­reça que andam uns a juntar com o bico e ou­tros a es­pa­lhar com as patas...

 



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